A biblioteca da FCNAUP dispõe de um novo recurso online "Nutrition Chill Out". O principal objetivo do "Nutrition Chill Out" é promover a leitura (descontraída) das obras existentes na nossa biblioteca a partir da seleção de alguns excertos pertinentes para um dado tema da atualidade ou para assinalar datas de interesse.

quarta-feira, 24 de abril de 2024

A (R)Evolução do Pão | Abril 2024

 

(Fonte da Imagem: Pixabay)

A Biblioteca da FCNAUP junta-se às comemorações dos 50 anos do 25 de abril, através do convite à leitura descontraída de alguns textos dedicados à origem e à (r)evolução do pão, sublinhando-se a sua importância social e cultural na História da Humanidade.

O termo “Revolução” do latim revolutione-, com origem no étimo revolutio, com o significado “dar voltas”, “girar” ou “volver”, aplicado originalmente à rotação dos astros, evolui para o sentido de “mudança” ou “ruptura”, nomeadamente na Revolução Francesa, século XVIII, assumindo, nos tempos modernos, o significado de “alteração disruptiva”, na esfera social, cultural ou política.

O pão, um alimento com raízes milenárias, tem experienciado mudanças e (r)evoluções não só na produção e no consumo, mas, sobretudo, na sua valorização pelo Homem: pão-alimento, pão-partilha, pão-moeda, pão-sagrado… são apenas alguns dos papéis atribuídos ao pão, ao longo da sua narrativa histórica.

O pão é um dos primeiros alimentos processados pelo Homem. Originalmente, produzido com farinha, água e sal, o pão, é considerado um “invento de sucesso” (nas palavras do Doutor Emílio Peres), resultante de um processo de amassadura, fermentação e cozedura, a “várias mãos”. Assumindo-se como um dos alimentos mais populares no mundo e património gastronómico em algumas culturas, reconhecem-se como principais benefícios do pão: o equilíbrio do perfil nutricional do pão quando comparado com os seus (fracos) substitutos (bolachas, bolos, pastéis, cereais embalados …), o acesso e a disponibilidade generalizados às populações, a variedade de ingredientes e a versatilidade de fabrico e consumo, adaptável a todos os gostos e feitios.

Do pão achatado e duro ao pão de casca crocante e miolo areado, dos fornos de lenha aos fornos industriais e ao ressurgimento do fabrico do “pão artesanal”, com ingredientes locais e regionais de qualidade, de alimento básico presente na alimentação diária a “vilão” nas “dietas de emagrecimento” (ou de “desperdício”), a longevidade do pão demonstra a sua capacidade de adaptação à evolução dos tempos, bem como a sua importância social e cultural na História da Humanidade. Da mesma forma, a aplicação de políticas públicas para regular o teor de sal no pão ou a atribuição de selos de excelência para premiar o fabrico de pão com “Menos sal, mesmo sabor” contribuem para salientar a importância social do pão, bem como o impacto na saúde das populações.
 
"não há neste mundo um pedaço de pão que não tenha sido amassado também pela religião, pela política e pela técnica". (H.E. Jacob, Seis mil anos de pão)
 
A origem e a evolução do pão está recheada de mitos e rituais, sagrados ou profanos, nos quais o pão é objeto de personificações repletas de simbolismos religiosos, ideológicos ou políticos. Note-se a utilização do pão como símbolo de poder religioso ou político pelos Egípcios, Gregos, Romanos ou Judeus. Da mesma forma, a revolta pelo “pão igualitário”, em situações de escassez e fome, está bem documentada na história das Civilizações, desde a Revolução Francesa à 1.ª Guerra Mundial. Sublinha-se a representação do pão como personagem principal em movimentos sociais e políticos significativos, desde a saudação generalizada “le pain se lève” que antecede a Tomada da Bastilha, em 1789, passando pelo célebre protesto feminino “Pão e Paz”, na Rússia, de 1917, até à luta pela liberdade na Revolução dos Cravos, de Abril de 1974, em Portugal, persistente na lírica musical homónima “paz, pão, habitação, saúde e educação”. Acresce que o direito de acesso ao pão, como alimento básico, está implícito no direito à alimentação, plasmado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, das Nações Unidas, e ainda hoje se celebra o Dia Mundial do Pão no dia 16 de outubro. Não podemos deixar de salientar que a espiga do trigo, um dos cereais presentes no fabrico do pão desde sempre, é o símbolo da nossa faculdade, cuja origem remonta a 1976.
 
Sinónimo de sustento, metáfora de vida, sinal de partilha e união, símbolo de poder, o pão é também utilizado como forma de expressar a cultura e a identidade de um povo nas Artes & Letras. Sugere-se, a título de “degustação”, o célebre poema de Pablo Neruda: “Ode ao pão”, declamado por Mário Viegas.

Sugestões de leitura

                       O paradoxo do pão (2023) (Disponível online) 

Impact of salt reduction on bread on sensory preference and physicochemical parameters (2021) (Disponível online)

Melhor grão, melhor pão (2018) (Disponível online

Modernist bread : the art and science of cooking (2017) (Disponível na Biblioteca) 

O pão, o comer e o saber comer para melhor viver (2004) (Disponível na Biblioteca) 

Seis mil anos de pão (2003). (Disponível na Biblioteca)

     

Obras Literárias ou Ensaios (sugestões de leitura no âmbito dos 50 anos do 25 de abril)


quinta-feira, 8 de junho de 2023

Entre Vénus e Minerva ou a dialética da Inteligência na nutrição e alimentação humana, na era da IA| Junho 2023

 

                                                                                             Fonte da imagem: Pelligrini Tibaldi, Venus en Minerva



Dos assistentes virtuais aos chatbots e ao ChatGPT, a tecnologia evolui e avança nas mais diversas esferas do conhecimento e da prática do ser humano, nomeadamente na área da Saúde; artificial intelligence, machine learning, deep learning, generative AI e copilots são apenas alguns dos termos que têm surgido na gíria tecnológica para representar a capacidade de as máquinas pensarem e agirem como humanos: sistemas de Inteligência Artificial (IA).

Por um lado, reconhecem-se os benefícios da IA para o apoio à tomada de decisão na área da Saúde, em geral, na promoção de um diagnóstico mais rápido e mais preciso e no acesso facilitado a dados de saúde, na prescrição de tratamentos personalizados e na monitorização remota de pacientes. Da mesma forma, a IA tem assumido um papel crescente na área da nutrição e da alimentação humana; sublinham-se os assistentes virtuais e as aplicações digitais ou móveis facilitadoras na análise da composição nutricional de alimentos, na deteção de alergias e intolerâncias, na monitorização da ingestão alimentar e na elaboração de planos personalizados e na promoção de escolhas alimentares adaptadas ao indivíduo.

Por outro lado, muitos questionam quais os limites de aplicação da IA, no que diz respeito à qualidade dos dados disponíveis, à ética e à privacidade no acesso e tratamento dos dados, à regulação e à monitorização das atividades de processamento de dados, e, sobretudo, à confiança e à responsabilização, profissional e individual, nas escolhas e na tomada de decisão resultantes.

“Será que os organismos são apenas algoritmos e a vida não é mais do que processamento de de dados?” (in: Homo Deus, Yuval Noah Harari, p. 444)

A IA tem procurado aproximar-se da Inteligência Emocional (IE) na apropriação da cognição e do comportamento humano. O ramo de investigação da IA Emocional procura capacitar os sistemas de AI a reconhecer, interpretar e responder a emoções humanas, em várias aplicações, desde chatbots e assistentes virtuais mais empáticos a sistemas de terapia emocional.

A IE envolve competências como a empatia, a motivação ou a regulação e controlo emocional com impacto na consciência individual e do outro e na interação social. Na área da Nutrição e Alimentação Humana, reconhece-se o impacto das emoções no apetite, nas escolhas e hábitos alimentares. O potencial da Alimentação Consciente tem sido sublinhado na Nutrição Comportamental e no estudo dos transtornos alimentares, nomeadamente na forma como relaciona a fome e as emoções na criação de uma relação saudável e equilibrada com a comida.

Excerto de texto literário gerado por IA no chatGPT, resposta a query: exemplos textos literários sobre inteligência artificial:

"Mas entre a maravilha e o desencanto,
Havia aqueles que questionavam a criação,
Seria a poesia uma arte sem encanto,
Quando feita por uma mente sem coração?"

(in Poética da Inteligência, resposta do chatGPT a 01.06.2023)

Entre Minerva, deusa da Sabedoria, e Vénus, deusa do Amor, conseguirá a Humanidade manter o fino equilíbrio entre a Razão e a Emoção, entre o algoritmo estatístico preditivo e a criatividade artística e linguística, na recuperação da memória, coletiva e individual, na criação artística, na tomada de consciência, de si e do outro, ou na tomada de decisão?

Ou serão a Razão, a Emoção e o livre arbítrio e a liberdade de escolher entre ambas pura mitologia, na era da IA?

Por último, uma nota final para os utilizadores da Biblioteca da FCNAUP sobre o impacto da IA na ética e na integridade académica, nomeadamente na consulta e citação de fontes de informação científica: o acesso (ainda mais) facilitado à informação não deve desresponsabilizar o estudante ou o investigador na verificação da veracidade das fontes e na avaliação da qualidade da informação.

Por outro lado, a IA poderá contribuir para um desempenho académico e profissional mais (pro)eficiente, mas são(serão) as competências emocionais como a consciência de si e do outro e a gestão das emoções que diferenciam e valorizam os estudantes e os futuros profissionais na academia e no mundo do trabalho.

Sugestões de leitura

Livro Branco sobre a inteligência artificial - Uma abordagem europeia virada para a excelência e a confiança (2020). (Full Text) 

Artificial intelligence in food science and nutrition: a narrative review (2022). (Full Text)

Artificial intelligence in nutrition research: perspectives on current and future applications (2022). (Full Text)

The Influence of Emotional Intelligence on Resilience, Test Anxiety, Academic Stress and the Mediterranean Diet. A Study with University Students (2020). (Full Text)

Variação ponderal e comportamento alimentar: restrição, alimentação intuitiva e consciente e autoeficácia alimentar (2020). Dissertação de Mestrado FCNAUP (Full Text)

Comer intuitivo (2021). (Disponível na Biblioteca)

Nutrição Comportamental (2019). (Disponível na Biblioteca)


Obras Literárias ou Ensaios



terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Pode um livro mudar a sua vida? A importância da leitura literária na formação dos nutricionistas| Dez 2022

 

Fonte da imagem: Pixabay

Perdoe o Leitor o tom intimista deste post, mas hoje dirigimo-nos a si, estudante ou docente de Nutrição, que tem a bondade de consultar os posts do NCO, uma vez por outra, para falarmos sobre a importância da leitura literária na formação dos futuros nutricionistas.

 Qual foi a última obra literária que leu? Há quanto tempo?

A estratégia para a promoção dos hábitos de leitura e a qualificação literária das populações está na agenda política há várias décadas, veja-se a título de exemplo o PNL 2027 em Portugal. Não obstante esta vontade, o analfabetismo literário tem aumentado nas camadas jovens; recentemente, um estudo nacional sobre as práticas culturais dos portugueses, pela Gulbenkian, revelou que 61% dos portugueses inquiridos não leu qualquer livro impresso, no último ano, e que a leitura de livros digitais foi realizada apenas por 10% dos inquiridos.

Prezado Leitor, para além da importância da leitura na formação de qualquer cidadão, temos que falar sobre a literatura como “alimento”, sobre a alimentação na literatura e sobre o texto “culinário” como texto literário.

Para além da importância da literatura como “alimento” para o pensamento, “food for thought”, a alimentação e os alimentos pululam no imaginário literário desde sempre. Desde a referência ao fruto proibido no texto bíblico, a alimentação como festim em "Gargântua e Pantagruel", de Rabelais, a eterna fome de Sancho Pança em "D.Quixote", de Miguel Cervantes, os manjares da “Ilha dos Amores”, nos Lusíadas, a antropofagia nos contos de Clarice Lispector ("Laços de Família"), ou o chá da Alice, no "País das Maravilhas" de Lewis Carroll, até ao famoso arroz de favas, na obra “A cidade e as serras” (de Eça de Queiroz), ou o alforge de galinha, vinho e pão, preparado por Tomásia, em "Coração, Cabeça e Estômago", de Camilo Castelo Branco, ou os chocolates da “Tabacaria”, de Fernando Pessoa, ou as torradas de Raimundo Silva, em a "História de Cerco de Lisboa", de José Saramago - os exemplos são infinitos - a comida é um ingrediente chave na mimese e na metáfora literária.

A referência à alimentação ou aos alimentos na literatura raramente representa uma mera descrição de um prato ou de uma refeição; a semiótica da alimentação e dos alimentos sempre foi alvo de interesse para o estudo da história, da cultura e da sociedade. Da mesma forma, cada vez mais os textos de culinária e outros dedicados à preparação de pratos e refeições são objeto de análise pela crítica literária.

Por último, não podemos deixar de citar algumas obras literárias de autores da FCNAUP (ou que colaboraram com a FCNAUP) como por exemplo os livros de contos do Dr. Lima Reis, disponíveis na biblioteca, ou da Prof. Isabela Ottoni.

Prezado Leitor, regressamos ao tom de confidência e partilhamos que, em finais de setembro, iniciamos uma experiência literária de forma ingénua e simples: emprestamos alguns livros particulares a elementos da comunidade académica da FCNAUP.

Um dos títulos emprestados foi “O que procuras está na Biblioteca”, de Michiko Aoyoma, sendo que desafiamos o leitor a responder às questões abaixo, após a leitura desta obra:

  1. O poder da literatura não se esgota na ilusão ou deleite da leitura; na sua opinião, pode um livro (entenda-se obra literária) mudar uma vida?
  2. A alimentação na literatura e a literatura como “alimento”; consideraria a promoção da leitura literária uma componente base na formação de futuros nutricionistas?
  3. “O que procuras está na Biblioteca” (da FCNAUP ?). Que obras literárias gostaria de ler na biblioteca da FCNAUP?

 

Poderá consultar as respostas abaixo. Desde já o nosso agradecimento especial à Prof.ª Bárbara Pereira por ter acedido ao convite à leitura, pela disponibilidade em responder às questões colocadas e pelas sugestões de títulos para criar uma “antologia edível” de obras literárias a disponibilizar aos utilizadores da biblioteca da FCNAUP.

Prezado Leitor, neste Natal, empreste livros, compre livros, ofereça livros, visite a(s) biblioteca(s), mas leia!


Entrevista ao Leitor da obra “O que procuras está na Biblioteca”, Prof.ª Bárbara Pereira, novembro 2022:

  1. O poder da literatura não se esgota na ilusão ou deleite da leitura; na sua opinião, pode um livro (entenda-se obra literária) mudar uma vida?

Sim, acredito que sim. É certo que há obras e obras, mas as obras literárias permitem-nos mergulhos em profundidade, permitem-nos ver (verdadeiramente ver sem ter de usar os olhos) outros sítios, viver outras alegrias e outros problemas, permitem-nos subterfúgios. Levam-nos a ver a nossa própria vida fora daquela que é a nossa “bolha”.

A experiência imersiva, noutra realidade, noutro contexto, noutra história, parece-me sempre um bom ponto de partida para questionar a nossa própria realidade. E a partir do momento em que isso se proporciona, a obra é muito mais do que um objeto de cabeceira ou do que uma companhia de um café preguiçoso; é um agente promotor da mudança, que se espera para melhor.

E melhor do que eu a dizê-lo e escrevê-lo, é trazer a este espaço uma boa autora para o descrever da forma que eu não consigo, registando que este trecho se cruzou comigo inusitadamente para o poder deixar aqui:

“O livro superou a prova do tempo, demonstrou ser um corredor de longas distâncias. Sempre que acordámos do sonho das nossas revoluções ou do pesadelo das nossas catástrofes humanas, o livro continuava ali. Como diz Umberto Eco, pertence à mesma categoria do que a colher, o martelo, a roda ou a tesoura. Depois de inventados, não se pode fazer nada melhor.” Irene Vallejo, in o Infinito num Junco.

 2. A alimentação na literatura e a literatura como “alimento”; consideraria a promoção da leitura literária uma componente base na formação de futuros nutricionistas?

Tenho uma profunda convicção que sim, e não só para futuros nutricionistas.

Ninguém se deve eximir à leitura, a leitura é sempre um caminho.

Hoje permito-me a registar uma proposta que espero um dia possa ser bem acolhida pela nossa Casa da Nutrição: um projeto de leitura em torno da discussão de obras literárias nacionais e internacionais com alusão e referência à alimentação e à gastronomia. E há felizmente tantos e tão bons exemplos, que poderia ser um projeto para perdurar:

- Do famoso arroz de favas na quinta de Tornes, em pleno Douro, com o Jacinto, na obra “A cidade e as serras” ou em “O crime do padre Amaro”, na dicotomia entre a fartura de uns e a escassez de outros,  enquanto “os padres se banqueteiam, comendo todos ‘como abades’”, “a empregada Gertrudes, quase às escondidas, mete uma broa no alforge de um miserável pedinte”, ambas obras do nosso aclamado Eça de Queiroz.

- Ou na Montanha Mágica de Thomas Mann, em que se descreve o banquete farto do jovem Hans Castorp enquanto a própria personagem se redescobre.

- Ou ainda no “Pasta senza vino” do brasileiro Eduardo Krause, com trechos maravilhosos como este: “A feijoada nada mais é do que uma violência contra si mesmo. O sistema digestivo sofre para processar a despudorada mistura de ingredientes sem sentido. E que maravilhosa aberração culinária!”

Incontáveis referências literárias com alusão aos nossos comeres, aos costumes e tradições, à escassez e à abundância, à alimentação como ato social que perdura nos tempos e nas escritas.

Muitas sugestões para Boas Leituras!

  1. “O que procuras está na Biblioteca” (da FCNAUP ?). Que obras literárias gostaria de ler na biblioteca da FCNAUP?

Devo confessar que quando me foram colocadas as três questões, comecei por responder a esta porque considerei que era de resposta simples. A meio voltei à primeira frase e debati-me com o “delete”, mas deixei-a ficar porque esta pergunta me permitiu perceber que nunca tinha refletido verdadeiramente sobre o assunto e se tornou um exercício mais difícil do que havia imaginado.

E então é assim: muito do que eu procuro está, de facto, na biblioteca; na biblioteca da FCNAUP, claro está! Mas também noutras que “habito”, especialmente com os meus filhos, pelo deleite que é partilhar momentos de leitura, de fruição e de escolha de livros com eles. Nas nossas viagens costumamos visitar as bibliotecas locais e é sempre um momento especial. De todas guardamos memórias sensoriais, do cheiro do livro, dos silêncios e dos sussurros, dos lápis de carvão em rabiscos, dos teclados frenéticos, do folhear do jornal, das cores vibrantes, da luz quente nas grandes vidraças…   

Sobre a nossa biblioteca, e num intencional paralelismo com o livro que tive o privilégio de ler recentemente, “O que procuras está na Biblioteca” de Michiko Aoyoma, o que eu procuro muitas das vezes na nossa biblioteca, mesmo sem saber, são respostas. Respostas a questões diversas, técnicas, científicas, de vida. Não tenho por hábito “habitar” muitas vezes a Biblioteca física da FCNAUP (quando a habito sou recebida sempre com muito calor humano, apoio e serenidade – é muito bom quando um espaço nos dá esse conforto e segurança e ainda nos proporciona regalos de vista, num espaço que considero muito bonito e bem conseguido), mas habito-a muito mais em formato virtual. E adoro um projeto também ele virtual da biblioteca, de pés bem assentes nas nuvens, que é o Nutrition Chill Out.

Para falar da nossa biblioteca, não posso deixar de falar das suas gentes especiais: a Dr.ª Marta e a D.ª Alcina. Encontro na nossa biblioteca pessoas como aquelas que o livro descreve (embora muito diferentes pela imagem mental que construí delas), falo de “Sayuri Komachi” e de “Nozomi Morinaga”. O meu bem haja a ambas. Agradeço à Dr.ª Marta, minha “bibliotecária” de eleição, por me ajudar a encontrar respostas.

É difícil escolher algumas obras literárias e correr o risco de deixar outras de fora, de tanto valor. Mas agora é isto que me ocorre para ler ou reler:

- Livro do desassossego de Fernando Pessoa

- Valsa do Adeus de Milan Kundera

- Serei sempre o teu abrigo de Valter Hugo Mãe

- Coração rebelde de Arundhati Roy

- Homo Deus: breve história do amanhã de Yuval Noah Harari

- Ensaio sobre a lucidez de José Saramago

- Antes que o Café Arrefeça de Toshikazu Kawaguchi

- e, quem sabe… A Biblioteca da Meia noite de Matt Haig


terça-feira, 22 de março de 2022

Sustentabilidade: rio semântico ou murmúrio coletivo? | Dia Mundial da Saúde 07.04.2022

 

                                                                      Fonte da imagem: WHO

A Biblioteca da FCNAUP junta-se à comemoração mundial do Dia Mundial da Saúde assinalada anualmente no 07 de abril. A Organização Mundial da Saúde divulgou o tema da campanha anual para 2022: “Our planet, our health: clean our air, water and food.”.

As preocupações com a saúde do planeta e a sustentabilidade das ações humanas têm persistido ao longo do tempo na consciência coletiva e individual das populações e estão presentes na agenda política de várias países e organizações mundiais desde a década de 80. Originalmente conotado com o "desenvolvimento económico sustentável", o termo sustentabilidade tem sido apropriado por várias áreas do saber, desde o ambiente ou a saúde, à arquitetura, à sociedade ou à cultura, sendo que atualmente representa um conceito multidimensional: um "rio semântico" (nas palavras de Kundera), por onde passa, ganha novos significados, que vai somando aos anteriores.

“O chapéu-coco era o leito de um rio, e Sabina via nele, de cada vez, um novo rio correndo, um rio semântico: o mesmo objeto suscitava de cada vez um outro significado, mas esse significado repercutia (como num eco, num cortejo de ecos) todos os significados anteriores”. (M. Kundera, 1984)

Na esfera da Alimentação e da Nutrição, o pensamento estratégico mundial está alinhado com os Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS), definidos na Agenda 2030 da ONU, no combate à fome, à pobreza ou às desigualdades sociais. A título de exemplo, sublinhamos as preocupações definidas pela FAO no Quadro Estratégico 2022-2031 para uma “melhor produção, melhor nutrição, melhor meio ambiente e uma vida melhor”, ou os cinco principais desafios identificados pelo EIT Food para o sistema alimentar europeu em 2022, dos quais destacamos a adoção de práticas agrícolas “regenerativas”, o consumo de “proteínas alternativas” ou o recurso a sistemas de rotulagem “ambiental” dos alimentos.

A par do reconhecimento crescente pela comunidade científica da existência de benefícios mútuos decorrentes das interações entre os sistemas alimentares (desde a produção de alimentos até ao consumo e gestão de desperdício), e a saúde, o ambiente, a economia, a sociedade e até a cultura, tem sido sublinhado o impacto das dietas saudáveis e sustentáveis no ambiente e na saúde das populações.

Sustainable Healthy Diets are dietary patterns that promote all dimensions of individuals’ health and wellbeing; have low environmental pressure and impact; are accessible, affordable, safe and equitable; and are culturally acceptable. (FAO/OMS, 2019)

Ao termo “healthy diet”, acrescem novas expressões como “sustainable diets”, “sustainable healthy diets” e mais recentemente “planet-based diets”. As dietas “nutricionalmente adequadas” ganham uma dimensão renovada à luz da sustentabilidade: promovem a saúde holística dos indivíduos, respeitam a biodiversidade e o ecossistema, são seguras e saudáveis e também culturalmente aceites, acessíveis e economicamente justas.

Sustentabilidade (também alimentar), mais do que "um rio semântico" que enforma o seu caudal por onde passa, faz-se ouvir em murmúrio coletivo que nos responsabiliza por cuidar (sustentare) de nós próprios e dos outros, dos contemporâneos e dos vindouros, e do planeta, atual e futuro.

Mas a questão não está em sofrer ou não de cárie dentária, de osteoporose, de anemia, de intolerância à glicose, de carcinoma ou de outro mal qualquer. Está em saber quando é que será impossível viver. É altura de perguntarmos: vamos deixar que envenenem o nosso meio ambiente?(Emílio Peres. Vamos deixar que envenenem o nosso meio ambiente?, 1978).

Sugestões de leitura

Healthy and sustainable dietary patterns in children and adolescents: a systematic review. 2021 (autoria de docentes da FCNAUP, FullText UPorto)

 

FAO/OMS. Sustainable healthy diets: Guiding principles. 2019 (Open access)

Contributos para uma estratégia de promoção da alimentação saudável e sustentável em Portugal. 2016 (autoria de docentes da FCNAUP, Open Access)

APN. Alimentar o futuro: uma reflexão sobre sustentabilidade alimentar. 2016 (Open access)

Sugestões para consulta de obras na Biblioteca





terça-feira, 23 de novembro de 2021

Colagénio! Foi você que pediu?| 11.2021

Fonte da imagem: Pixabay

Na era da “food on demand” (à vontade do consumidor), tem-se verificado uma procura crescente por alimentos funcionais, suplementos alimentares e outros produtos para ingestão oral, manipulados e comercializados especificamente para melhorar a aparência da silhueta, pele, cabelo e unhas ou a saúde das articulações.

A dualidade cozinha vs botica está plasmada nos receituários culinários portugueses e as “receitas de saúde e beleza” pululam no nosso imaginário cultural desde sempre. Vejam-se os “caldos e substâncias, tanto de carne como de peixe, de ervas, raízes e legumes, caldos em pastilhas ou de conserva e outros para várias enfermidades” compilados no Cozinheiro Moderno ou a Nove Arte de de Cozinha, de Lucas Rigaud. Mais recentemente, a indústria alimentar tem investido na criação de novos produtos alimentares que prometem promover a “beleza a partir do interior”, como por exemplo bebidas lácteas ou iogurtes adicionados de colagénio hidrolisado.

“Based on the results of this study, HC supplements or collagen peptides can delay and improve the signs of skin aging by decreasing facial wrinkles and improving skin hydration and elasticity, while the supplementation is maintained.” (Miranda et al. Effects of hydrolyzed collagen supplementation on skin aging: a systematic review and meta-analysis. 2021)

A par do reconhecimento crescente do papel antioxidante de alguns alimentos no atraso do processo de envelhecimento, uma “nova” geração de produtos para ingestão oral ganha expressão no mercado da beleza e da estética, na forma de  cápsulas, gomas ou pastilhas, formuladas com ingredientes antioxidantes e adaptogenos, que potenciam a produção de colagénio ou elastina.

Proliferam novos termos como: “Nutricosmética”, “nutracêutica”, “cosmecêutica”, na tentativa de representar conceitos de fronteira entre a nutrição, a farmacêutica e a cosmética e de enquadrar novos produtos de “beleza edível”, que carecem ainda de regulação e controlo por parte das entidades competentes. Apesar de o número de estudos sobre “nutricosméticos”, por exemplo, ter vindo a aumentar, a evidência científica é ainda parca na identificação de doses e períodos de tratamento ideais e parece sugerir o uso concomitante de cosméticos tópicos, bem como o acompanhamento de um profissional qualificado para obter um resultado significativo e prevenir possíveis intoxicações ou reações alérgicas.

“Razões endócrinas, agressões ambientais e doenças específicas podem alterar a saúde e aspeto da pele. Felizmente são relativamente pouco frequentes; o vulgar é a pele manifestar carências, abundâncias e outros desvarios da boca. A face é o espelho da nutrição.” (Dr. Emílio Peres).

Na ausência de regulação e evidência significativas, cabe ao consumidor procurar informação validada junto de profissionais qualificados, sendo garantido que a “pílula dourada” não substitui uma alimentação saudável e equilibrada na procura de uma pele mais jovem, cabelo brilhante ou unhas fortes.

 - Adeus - disse a raposa. - Vou-te contar o tal segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos…

 - O essencial é invisível para os olhos – repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.

 - Foi o tempo que tu perdeste com a tua rosa que tornou a tua rosa tão importante.

 - Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa... - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.

 - Os homens já se esqueceram desta verdade - disse a raposa. - Mas tu não te deves esquecer dela. Ficas responsável para todo o sempre por aquilo que está preso a ti. Tu és responsável pela tua rosa…

 - Sou responsável pela minha rosa... - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.

(Excerto do livro “O meu principezinho”, por Antoine de Saint-Exupéry)

Sugestões de leitura

Effects of hydrolyzed collagen supplementation on skin aging: a systematic review and meta-analysis| 2021 (Full text U.Porto)
A dairy product to reconstitute enriched with bioactive nutrients stops bone loss in high-risk menopausal women without pharmacological treatment| 2020 (Open Access)
Nutricosmetics: A brief overview| 2019 (Full text U.Porto)

Sugestões para consulta de obras na Biblioteca





sexta-feira, 16 de julho de 2021

O “floema da banana” ou a poesia no (re)aproveitamento dos alimentos| 07.2021

 

Fonte: Imagem de Pixabay

De uma forma geral, as cascas, os talos, as folhas ou mesmo os caroços ou sementes retirados de alguns alimentos, sobretudo hortícolas e frutas, não são aproveitados pelo consumidor em geral e são considerados partes não convencionais, “restos” ou “sobras” dos alimentos, na maioria das vezes, por razões sociais ou culturais.

Tem sido reconhecido algum valor nutricional ou benefício para a saúde aos “excedentes” citados. A título de exemplo, sublinhamos que o floema da banana (os fios ao longo da banana que habitualmente deitamos ao lixo juntamente com a casca) oferece uma grande concentração de nutrientes, dado que é o vaso condutor responsável pela distribuição dos nutrientes no fruto.

“As partes mais duras [das hortaliças], depois de bem cozidas, podem desfazer-se com a varinha para preparar um puré com o qual se engrossa a sopa ou se introduz, em camadas, nos pratos de forno como empadão de batata, arroz de segredo ou empadão de massa. Portanto, pode aproveitar-se o que tantas vezes se deita fora. Importa ter em conta a importância nutricional dos produtos hortícolas e a noção de que não são substituíveis por nenhuns outros grupos de alimentos.” (Emílio Peres, manuscrito “Um jardim de infância escreve aos pais de suas crianças”, 1983).

O aproveitamento integral do alimento poderá contribuir para a melhoria nutricional de alguns padrões alimentares, assim como promover a variedade e a criatividade (quase poética) na preparação de alimentos e na confeção de refeições. Existem várias receitas alusivas ao (re)aproveitamento de alimentos em pão, doces, geleias, molhos, sopas ou sumos.

“Alguma vez imaginou fazer um delicioso pão integral de talos, ou ainda um ensopado de cascas de melancia?” (Alexandre Fernandes, Cascas, Talos, Folhas e outros tesouros nutricionais)

Valoriza-se o aproveitamento integral dos alimentos no planeamento e preparação de refeições de forma saudável e segura, sublinhando-se a sua importância na escolha, aquisição e conservação de alimentos e no respetivo manuseamento e confeção pelo consumidor final. Da mesma forma, reitera-se a relevância do aproveitamento integral dos alimentos nos processos de produção, distribuição e venda de alimentos e de reciclagem de matéria orgânica. 

O (re)aproveitamento ou o aproveitamento integral dos alimentos, enquanto opção generalizada desde o produtor ao consumidor, poderá contribuir para uma gestão eficiente do desperdício alimentar, com impacto na economia doméstica e na preservação do ambiente. 

O bicho

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

Rio, 27 de Dezembro de 1947 | por Manuel Bandeira (1866-1968)



Sugestões para consulta de obras na Biblioteca






segunda-feira, 26 de abril de 2021

Le Puits d´Amour: o prazer na gastronomia | 04.2021

 

Fonte: Imagem de S. Hermann & F. Richter or Pixabay


O simbolismo libidinoso de alimentos e do ato de comer tem sido alvo de representação generalizada na Arte, na Cultura e no Imaginário de várias civilizações, ao longo dos tempos. O próprio vocabulário de cariz erótico traduz de forma vívida as relações luxuriosas entre o Amor e a Comida.


Sempre existiu a procura por alimentos “afrodisíacos” naturais como o chocolate, os espargos ou as ostras e a utilização de ingredientes estimulantes como ervas aromáticas e especiarias é parte constituinte do património gastronómico intemporal. Da mesma forma, a confeção de pratos com analogias eróticas está documentada na História Gastronómica portuguesa e europeia. Citamos o caso do escândalo cortês criado à volta da sobremesa “Le PuitsAmour”, de Vincent La Chapelle, oferecida, na corte de Luís XV, nos jantares mais íntimos. A sociedade da época não foi indiferente às conotações veladas da concha de massa folhada recheada com geleia de groselha, sendo que o recheio foi posteriormente substituído por um creme de pasteleiro caramelizado para torná-la mais “aceitável”…


“O erotismo está para a sexualidade tal como a gastronomia para a cozinha” (Pasini, El cibo e l´amore, 1994)


Os filósofos clássicos, como Platão, reconheciam a dimensão hedonista da “arte culinária”, contribuindo para a fruição e o gozo na alimentação, ainda que de uma forma regrada “de modo a que sem doença se colha o seu prazer” (Platão, O Banquete). Atualmente, sublinha-se o papel da satisfação sensorial oferecida pelos alimentos e pela alimentação no desejo e na escolha alimentar do consumidor, sendo que o prazer na experiência gastronómica deve ser um fator considerado na procura de estratégias que promovam a adoção de hábitos alimentares saudáveis e a prevenção de doenças relacionadas.


Selecionamos um conjunto de materiais que julgamos ter interesse para uma leitura (descontraída) sobre este tema.


Sugestões para leitura

A holistic aesthetic experience model: Creating a harmonious dining environment to increase customers' perceived pleasure (2020)

Food with influence in the sexual and reproductive health (2019)

A mixed method approach to understanding the role of emotions and sensual delight in dining experience (2012)

             

Sugestões para consulta de obras na Biblioteca